Em 2005, nós, ainda um pequeno grupo de defensores dos Direitos Humanos de crianças e adolescentes em situação de rua no Brasil, organizamos uma campanha entre instituições que trabalhavam especificamente com este público. O objetivo era reivindicar, do Governo Federal, uma solução estruturada, permanente e decisiva de enfrentamento à situação de rua infantojuvenil.
Nesse processo, pudemos observar que o tema era completamente invisível na agenda do Estado e que, sem dados oficiais, programas ou metas estabelecidas, os meninos e as meninas em situação de rua ficavam à mercê da própria sorte. Enquanto para outros segmentos da área da infância e juventude existiam planos e políticas específicas, para o fenômeno de crianças e adolescentes em situação de rua pouco havia sido feito ou proposto.
Foi dessa triste constatação que tomamos fôlego para ir ao Senado Federal e ao Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) lançar uma campanha que, meses depois, ficou conhecida como Campanha Nacional Criança Não é de Rua (CNER).
Em um primeiro momento, ainda sem uma proposta bem estruturada e representada por um pequeno grupo de instituições, a campanha não conseguiu adesão, espaço e/ou reconhecimento. Ainda que sem esse apoio do poder público, empreendemos uma jornada pelo Brasil que durou cinco anos.
Percorremos todas as capitais do país, visitamos cada instituição que trabalhava com crianças e adolescentes em situação de rua, conversamos com os meninos e meninas em cada cidade, visitamos equipamentos públicos, dialogamos com pesquisadores/as e realizamos seminários em cada capital. Nessa meia década de ações e atividades intensas, conseguimos a adesão de aproximadamente 600 organizações. Cinco anos após o seu lançamento, a Campanha deixava de ser uma ação pontual e momentânea para se tornar uma rede permanente e de atividade continuada.
Com mais visibilidade e reconhecimento por parte dos atores sociais da área da infância, com incidência em todos os estados brasileiros, com um conjunto de propostas bem estruturadas e referendadas pelo seu colegiado e com a parceria das 600 organizações, nos estabelecemos enquanto Rede Nacional Criança Não é de Rua, um coletivo de organizações comprometido com a garantia e efetivação dos direitos das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade econômica e social.
Seguimos, desde então, em luta constante pelo bem viver dos nossos meninos e nossas meninas que estão nas ruas.
Começamos nossa luta sensibilizando instituições que pudessem aderir à Campanha. Entre 2005 e 2010, cerca de 600 organizações nas 26 capitais brasileiras + o Distrito Federal engrossaram nosso canto, aderindo à iniciativa.
27 seminários estaduais movimentaram mais de 4.000 operadores do Sistema de Garantia de Direitos na maior mobilização pelas crianças e adolescentes em situação de rua no Brasil do século XXI.
A partir de 2007, a Campanha começou a mapear estratégias para visibilizar o tema das crianças e adolescentes em situação de rua e ganhar espaço na agenda política do país.
A Ação Nacional Criança Não É de Rua, realizada simultaneamente em todas as metrópoles do Brasil, proclamou o Dia Nacional de Enfrentamento à Situação de Rua de Crianças e Adolescentes. Além disso, lançou a plataforma virtual colaborativa Rua Brasil S/Nº, um projeto que levantou dados sobre o tema em todo o território brasileiro.
Na mesma época, delegados de todos os estados se reuniram para elaborar um documento com subsídios para a construção da Política Nacional de Atenção às Crianças e Adolescentes em Situação de Rua.
A nossa luta pela garantia de direitos de crianças e adolescentes em situação de rua não se limita às fronteiras nacionais. Em 2015, com a liderança da Rede Nacional Criança Não é de Rua, foi criada a Red Internacional por la Defensa de la Infancia y Adolescencia en Situación de Calle (RIDIAC).
Esta nossa iniciativa, que já mobilizou mais de 200 organizações em 11 países da América Latina, tem conseguido formar uma forte coalizão pela implementação do Comentário Geral 21 da ONU sobre os direitos de crianças e adolescentes em situação de rua.
Buscamos seguir expandindo a Rede a partir da cooperação internacional, reconhecendo que, assim, fortalecemos não apenas os laços com os irmãos latinos, mas também a própria luta pelas meninas e meninos de rua no Brasil.
Um grupo de trabalho sobre a situação de rua de crianças e adolescentes foi criado no CONANDA sob a coordenação da Rede Nacional Criança Não é de Rua e do Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua, com representantes da sociedade civil e do governo.
Entre 2015 e 2018, esse grupo elaborou as primeiras legislações específicas para a proteção de crianças e adolescentes em situação de rua da história recente do país.
As resoluções conjuntas CONANDA e CNAS 001/2016 e 001/207 e as resoluções 187/2017 e 203/2018 do CONANDA determinaram o conceito, o acolhimento, a assistência global, o cuidado da mulher gestante e de seu filho, as orientações para a educação social e a implementação de grupos de trabalho (GTs) nos municípios para viabilizar políticas específicas com base nas Diretrizes Nacionais.
Nosso desejo é de que, até 2030, as Diretrizes Nacionais para o Atendimento a Crianças e Adolescentes em Situação de Rua estejam gerando frutos por todo o país, principalmente nas metrópoles e nas grandes cidades brasileiras.
Somos uma rede nacional de organizações que lutam pelos direitos de crianças e adolescentes em situação de rua. Desde 2005, nos mobilizamos pela existência e divulgação de dados oficiais, por políticas públicas específicas, pela afirmação da educação social de rua e pela garantia dos direitos fundamentais, sobretudo o direito à convivência familiar e comunitária.
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